Scott Pilgrim contra o Mundo: vale a pena gastar sua vida extra por alguém?

Michelle Ruiz
7 min readMay 27, 2022

Crítica por: Michelle Ruiz e Tércio Bonifácio

Scott Pilgrim contra o Mundo, de 2010, nos apresenta a história de Scott (Michael Cera), um guitarrista introvertido e inseguro que nunca teve problemas para conseguir uma namorada. Mas que, a partir do momento em que ele conhece e se apaixona por Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead), uma garota um tanto misteriosa, ele percebe que foi puxado para uma série de combates que o forçam a amadurecer e “evoluir” rapidamente para que, assim, possa derrotar os sete ex-namorados de Ramona.

No início do filme, somos apresentados a um protagonista estupido e que não tem responsabilidade sobre as suas ações, principalmente quando impactam a vida de outras pessoas ao seu redor, como exemplo, a personagem Knives Chau (Ellen Wong), uma jovem colegial que é trocada e deixada de lado por Scott, na primeira oportunidade que ele tem de conhecer Ramona.

Olhando para sua primeira cena, a qual temos a introdução da Universal, e a última, onde é mostrado o ícone de “continue?” com uma contagem regressiva, vemos que o diretor realmente quis mostrar o filme como um jogo de videogame. O protagonista inicia o jogo, passa pelos níveis, combate o boss para resgatar sua amada, aprende uma lição memorável e fim de jogo.

Outro ponto que remete essa estética, são as onomatopeias, desenhos e descrições dos personagens e objetos na tela. Pontos artísticos que aparecem na tela com o intuito de situar o espectador em relação ao ambiente/apresentação de uma persona, ou também, exprimir as reações dos personagens, assim como podemos encontrar em quadrinhos e jogos de vídeo games.

Ademais, algo a ser notado é a forma que o diretor escolheu usar a estética dos quadrinhos/mangás para apresentar flashbacks envolvendo os ex-namorados de Ramona, o que traz um diferencial a mais para o filme, pois não fica naquela velha coloração monocromática.

É inegável que o diretor Edgar Wright possui uma excelente filmografia, contando com “Em Ritmo de Fuga” e “Noite Passada em Soho”, dois dos seus filmes mais atuais que possuem um exímio trabalho por parte da montagem, assim como “Scott Pilgrim contra o Mundo”. O filme conta com um trabalho de montagem excelente, que mostra muitos saltos e linhas temporais em sua narrativa, mas que em nenhum momento atrapalham a compreensão do espectador.

As constantes mudanças no formato de tela do filme também não estão ali por acaso, assim como nos quadrinhos, o tamanho dos quadros mudam conforme a urgência nas cenas de luta entre Scott e os ex de sua amada, logo, em alguns momentos temos o formato widescreen (tela cheia) a qual temos uma visão do todo, e no momento seguinte, temos um formato de tela mais reduzido, que traz a sensação de que a luta acabou de ficar mais pessoal, ou até mesmo mais tensa.

Utilizando o surrealismo artístico e a dissociação da realidade temporal, Edgar Wright constrói um enredo em meio a uma montagem carregada de transições efêmeras, quase como se quem o assiste estivesse virando o quadro para o lado, igualmente a páginas de um quadrinho.

Isso pode ser percebido no fato de que mesmo os personagens não piscando — remetendo a estética gamer — no único momento que Scott o faz, a cada piscada ele está em um momento de seu dia, mostrando que o tempo no filme não é algo completamente estático, o protagonista pode estar em qualquer lugar, a qualquer momento do dia em questão de uma transição do mesmo quadro.

O trabalho de montagem é de extrema importância para ditar o ritmo do filme, fazendo com que o espectador não sinta o tempo passar e evitando que ele dê aquela olhada no relógio. Em Scott Pilgrim contra o Mundo, podemos afirmar que o tempo flui com bastante tranquilidade, sendo assim, uma obra sem excessos de diálogos que, geralmente, não levam a lugar algum e que, no fim, leva o espectador para uma viagem que já havia prometido no início do filme com a abertura em pixel: um universo totalmente surreal.

Em seu contexto social, o filme expõe um estereótipo muito comum aos filmes de romance, o da Manic Pixie Dream Girl (MPDG), que nada mais é que “aquela efervescente e rasa criatura cinematográfica que existe unicamente nas imaginações febris de escritores/diretores sensíveis, a fim de ensinar jovens homens sentimentais e depressivos a abraçar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras”, como diria o criador do termo, Nathan Rabin.

Em uma definição mais simples, esse estereótipo coloca a mulher como um personagem secundário, que aparece numa fase de declínio da vida do protagonista para mostrá-lo que há diversas aventuras para se viver — um pouco parecido com Scott Pilgrim, que literalmente entrou em um trajeto de lutas para conseguir a garota perfeita para ele, não é mesmo?

Geralmente essa personagem costuma ser espontânea, indiferente, descolada e tudo que o protagonista sempre sonhou. E Scott visivelmente enxerga Ramona nesse estereótipo, ele a define no filme como uma mulher “volúvel, impulsiva e espontânea”, pois ela vive sem se prender a nada e pinta seu cabelo de uma cor diferente a cada 1 semana e meia.

Em outros momentos ele também fala sobre ela ser a garota de seus sonhos, todos corroborando para imaginarmos uma mulher perfeita, mas há um histórico desse estereótipo em fazer das personagens pessoas superficiais, você não sabe de seu passado, características mais profundas e nem a vê em destaque. Isso porque, elas são feitas apenas para garantir que o personagem saia da mesmice e evolua, assim como Scott evoluiu tanto de fases, como pessoa, aprendendo sobre o amor próprio e autorrespeito.

Ao decupar a última cena do filme, é possível notar um pôr do sol em segundo plano, que pode estar associado à oportunidade dos personagens recomeçarem. Assim como um dia recomeça podendo ser totalmente diferente do outro, mas desta vez, um recomeço maduro no qual o casal já passou pelas dificuldades em relação a superação dos ex-namorados e questões mal resolvidas.

Sem falar que é comum em jogos — como Mario Bros — finalizar suas fases entrando em uma porta de passagem, o mesmo é feito em Scott Pilgrim, em que ele e Ramona estão indo para um novo momento de suas vidas, mais maduros e sem impedimentos.

Já a estrela na porta que Scott e Ramona entram, pode estar relacionada a luz que brilha e guia diante a escuridão, tendo em vista que Scott e Ramona estão indo em direção ao desconhecido em busca de viverem o seu amor após uma batalha tão difícil.

No decorrer da história, Knives demonstra uma certa dependência emocional e até uma obsessão por Scott. Com isso, a personagem busca reproduzir/espelhar a aparência e forma de agir da Ramona, com o intuito de ser notada por Scott. De fato, isso ocorre principalmente pelo fato do protagonista não saber dialogar e expressar seus sentimentos, que por sua vez, também possuem características obsessivas, principalmente ao se tratar da Ramona.

Diante disso, ao parar para analisar este filme, é possível notar um certo espelhamento por parte do Scott em relação às cores utilizadas por Ramona em seu cabelo. Sendo assim, Scott geralmente possui uma cor em sua roupa que acaba por combinar com a cor utilizada por Ramona em seu cabelo, mesmo que seja um pequeno detalhe, como a gola e manga de uma blusa. O que nos leva a pergunta: seria isso uma forma da direção de arte transmitir a obsessão ou o amor do personagem por Ramona?

No geral, a obra trabalha muito bem as questões que levanta, pois no fim, Knives se dá o devido valor e, assim, encerra sua obsessão por Scott; enquanto isso, o protagonista, que antes era imaturo e irresponsável, consegue assumir seus erros e pedir perdão por eles. Ao mesmo tempo, Scott desbloqueia o poder do amor e autorrespeito, assim, conseguindo derrotar o “boss” da sua jornada, dar um fim a uma briga unilateral por parte de Knives, apenas com um diálogo, evitar uma luta consigo mesmo — autoaceitação — e finalmente poder ficar com a sua “princesa” sem que ninguém mais os atrapalhe.

Diante do exposto, o diretor revela um filme que de diversas formas consegue encantar o espectador, mas mais do que isso, que realmente imerge o mesmo em sua trama e estética. Esta obra é, acima de tudo, sobre evolução — mesmo que em fases — amadurecimento, o real significado de amor e autorrespeito.

Pensando nisso, o filme finaliza com Scott descobrindo que talvez ele não devesse ter lutado tanto, como Ramona diz, e que se priorizar e se autorrespeitar deveria ter sido o foco desde o início. O amor rege os humanos desde muito tempo, mas de nada vale se sacrificar por amor e esquecer do mais importante, a si próprio.

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